Agro e a China: Como as novas tecnologias estão remodelando o agronegócio no país?
Arados, foices e tração animal. Essas foram ferramentas muito utilizadas na agricultura chinesa, mas hoje, fazem parte das coleções de antiguidade do Museu da Agricultura da China. As novas tecnologias de sensoriamento remonto, inteligência artificial e maquinários autônomos têm simplificado a vida do produtor chinês e revolucionado a maneira de fazer agricultura. Além disso, as plataformas de e-commerce também têm desempenhado um papel importante na comercialização e investimentos no setor.
Olhar para a China hoje, é olhar para o futuro. Suas elevadas taxas de crescimento, em diversos setores, aliadas à ascensão da classe média, urbanização e intenso investimento em infraestrutura, colocaram essa nação em paridade com os países mais desenvolvidos do mundo e impulsionaram o desenvolvimento da agricultura inteligente e da indústria agrícola por todo o país. Em 40 anos, a China alcançou elevados patamares de desenvolvimento e, atualmente, desempenha um papel fundamental na geração de grandes tendências de inovação agro-tecnológicas em todo o mundo.
Com mais de 1,4 bilhão de bocas para alimentar e somente 7% das terras aráveis do planeta, o governo chinês está preocupado com a segurança alimentar e vem abordando esta questão de maneira estratégica, a fim de aumentar a produtividade e torná-la sustentável. Além disso, o governo também conta com a iniciativa “One Belt One Road” para impulsionar investimentos externos no setor e garantir a disponibilidade de alimentos internamente.
O 13º plano quinquenal, que teve vigência de 2016 a 2020, trouxe a modernização agrícola como a pedra angular para aumentar a qualidade e eficiência da agricultura, e elevar seu nível de produção. Em relação às importações, também levantou a bandeira da cooperação e previu melhores mecanismos de regulamentação do comércio exterior. O atual 14ª plano quinquenal, que irá de 2019 a 2025, não deixa para trás as questões trazidas anteriormente e se aprofunda ainda mais na modernização, revitalização rural e tecnologias para solos e sementes.
Seguindo às diretrizes do governo central e também procurando saciar às novas demandas alimentícias oriundas de mudanças no estilo de vida, os ministérios e os governos provinciais também vêm lançando uma série de iniciativas para reforçar a economia digital agrícola, aumentar a produção de grãos e fomentar a agricultura de precisão. Além disso, diversas leis e regulamentos vem sendo promulgados e revisados a fim de conservar e prevenir os escassos recursos naturais e promover qualidade e segurança alimentar. Neste sentido, os governos provinciais tem grande responsabilidade na produção, circulação e consumo dos alimentos e, de acordo com o Gabinete de Informação do Conselho de Estado da República Popular da China, em 2014 e 2015 foram lançadas as “Diretrizes para o Estabelecimento e Melhoria do Sistema de Responsabilidade dos Governadores Provinciais pela Segurança Alimentar” e “Medidas para a Avaliação da Responsabilidade dos Governadores Provinciais pela Segurança Alimentar”.
Hoje, a China garante o fornecimento de grãos básicos à sua população, – como trigo e arroz – no entanto, ela ainda não é autossuficiente em sua produção. Os números vêm aumentando, mas o país ainda depende muito das importações. Assim, fortalecer a parceria no setor com os países do “One Belt One Road” tem sido uma estratégia para superar esse gap. A ideia é investir em produção agrícola e infraestrutura de escoamento para assegurar o fornecimento adequado de alimentos. De acordo com o China Global Investment Tracker, de 2009 a 2019 e somente na pasta de agricultura, a China investiu mais de 13 bilhões em países que fazem parte da iniciativa. As regiões foco foram as da África subsaariana e Ásia Oriental.
É claro que a agenda política do governo exerce grande influência e molda a forma como a agricultura se desenvolve no país, contudo, a sociedade também tem um papel importante e suas características, gostos e tendências refletem na forma como o setor evolui e as empresas se comportam.
O aumento do poder aquisitivo da classe média e, sua consequente mudança de hábitos de consumo, pedem mais variedades e quantidades de alimentos. Desta maneira, ou as importações precisam aumentar ou as terras precisam se tornar mais produtivas. A mecanização da agricultura é uma forma muito eficaz de aumentar rendimentos e também facilita a vida do agricultor.
De acordo com o Ministério da Agricultura e Assuntos Rurais da China, em 2019 havia mais de 2.500 empresas de máquinas agrícolas no país e a mecanização do setor excedeu 70%. A contribuição para o setor é tão expressiva que, hoje, uma nova geração de máquinas vem sendo desenvolvidas e testadas: as máquinas autônomas. Sem a necessidade de uma pessoa para conduzir, essas máquinas recebem suas coordenadas via GPS, atuam com precisão e permitem que o agricultor gaste menos insumos e tempo.
De acordo com Relatório da Indústria de Direção Autônoma de Veículos Especiais da China de 2019-2020, essas máquinas ainda são caras e mais utilizadas em grandes plantações. Contudo, já se consomem, anualmente, em torno de 200.000 unidades de tratores de médio e alto padrão e é esperado que o mercado de veículos autônomos para agricultura atinja as cifras de 4 e 5 bilhões de remimbis.
Os drones são outros dos dispositivos modernos que estão ganhando destaque na agricultura. O objeto que voa com grande estabilidade, tem sido muito utilizado, juntamente com sistemas de AI e sensoriamento remoto, para aplicar pesticidas de forma precisa. Com ele, é possível aplicar o produto somente nas áreas afetadas, gerando economia de insumos e aumento da renda do produtor. De acordo com Justin Gong, vice-presidente da XAG – empresa provedora de serviços de drones agrícolas – em entrevista para a Global Times, os pulverizadores usados nos drones são atualizados tecnologicamente para que uma gota de pesticida possa ser dividida em gotas menores e pulverizada em mais terras agrícolas.
Desde 2017, os drones vem sendo utilizados para fins agrícolas na China. Sua praticidade e agilidade têm ajudado a melhorar o rendimento das colheitas e manter a qualidade do solo, o qual já foi muito degradado por anos de uso incorreto e abundante de pesticidas. Eles são de 50 a 80 vezes mais rápidos que o trabalhador tradicional e fazem, em 1 hora, a mesma área que antes era necessário 8 pessoas e 1 semana de trabalho. Além disso, há um ganho para saúde, pois o agricultor não está mais no meio do campo aplicando o pesticida e respirando o mesmo ar.
Mais de uma vez, o presidente Xi afirmou o compromisso da China com a segurança alimentar e ressaltou a imprescindibilidade do uso de dados e tecnologia para atingir esse objetivo de maneira sustentável. Assim, nos últimos anos, uma série de tecnologias avançadas foram aplicadas no setor agrícola, impulsionando a agricultura inteligente e acelerando a modernização rural.
Diante desse cenário de conectividade, 5G e tecnologia, uma nova forma de fazer agricultura vem se desenvolvendo: as chamadas fazendas não tripuladas. Elas utilizam máquinas autônomas e drones para fazer a preparação da terra, semeadura, fertilização, pulverização de pesticidas, irrigação, colheita e ainda captam dados em tempo real que são essenciais para o gerenciamento da produção. Condições climáticas, humidade, temperatura, intensidade de luz solar, fertilidade e crescimento da cultura, tudo disponível em um aparelho celular ou no centro de controle da fazenda para monitoramento e análise.
De acordo com uma notícia da Xinhua, em setembro de 2020, a China estabeleceu 18 zonas de agricultura piloto não tripulada para 14 tipos de culturas. 12 províncias e regiões autônomas foram englobadas e cobrem, juntas, mais de 5.300 hectares de terras agrícolas. Na província de Heilongjiang, conhecida como a capital arroz, uma importante base de produção de grãos vem sendo a pioneira na utilização da smart agriculture e, em 2020, Shanghai iniciou as operações teste de sua primeira fazenda não tripulada.
Em 2020, Shanghai começa a testar sua primeira fazenda não tripulada. Fonte: New China.
Estar conectado não é mais uma opção na China. O país conta com a maior quantidade de usuários de internet do mundo, tem o maior mercado de comércio eletrônico e, em 2019, o valor da economia digital representou mais de 1/3 do PIB. De acordo com o Statista, o número de pessoas que utilizam essa modalidade de compra passou de menos de 34 milhões em 2006 para 782 mil em 2020. Um crescimento de 23x em 14 anos que, unido à uma infraestrutura de transporte interconectada e de alta qualidade, impulsiona a comercialização de produtos agrícolas via online.
Aproveitando essa tendência, a Pinduoduo tem olhado cada vez mais para o setor agro e lançado novos modelos de negócios que podem eliminar intermediários, reduzindo o custo do produtor e trazendo um melhor preço ao consumidor.
O Pinduoduo vem se destacando como uma das principais empresas de comercialização do setor e teve um crescimento gigante em apenas 5 anos. Seu modelo de negócio consiste em uma plataforma de comércio eletrônico em massa que faz uso do social commerce para alavancar seu alcance. Os usuários podem se unir a um grupo de compras já estabelecido ou formar seu próprio grupo, enviando convites e descontos aos seus amigos. Em 2020, a empresa registou mais de 42 milhões de dólares em mercadorias agrícolas vendidas e quer estar mais presente no setor investindo em infraestrutura para manuseio de perecíveis e tecnologia agroalimentar para aumentar produtividade e qualidade, relata um comunicado da própria Pinduoduo.
Estamos na era da tecnologia digital. Vejo que cada vez mais, ela permeará a economia e trará benefícios tanto para os produtores e consumidores quanto para o planeta. É fato, este é um caminho que não tem mais volta e até os setores mais tradicionais, como o agronegócio, estão se inserindo e se modernizando. As novas agro tecnologias e modelos de negócios online estão remodelando o setor e tornando-se uma tendência não só na China, mas também no mundo.